Dr. Sergio W. Baumel

CRM/ES: 6116 | CRP-16: 4263

Neurologista e Psicólogo

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Sigil Baumel

O Perdão e a Justiça Reparadora

por Sergio W. Baumel

Muitas vezes, no curso de uma terapia com o uso de regressão, os clientes percebem-se em várias experiências semelhantes, em encarnações diversas. Geralmente passam pelo mesmo tipo de sofrimento, que corresponde também ao sofrimento atual, que os traz à terapia. Essa repetição leva invariavelmente ao questionamento: "por quê?". Quais os mecanismos para que a mesma pessoa sofra tantas vezes um destino semelhante?

A resposta que geralmente vem mais rápido à mente remete a uma frase que já ouvi muitas vezes, de maneira jocosa: "quem mandou jogar pedra na cruz?". Pois a maioria absoluta de nós tem a mesma noção sobre o sofrimento: que é uma consequência direta de algo que fizemos de errado no passado, que é uma espécie de punição por nossos erros, por nossos "pecados". Nossa cultura, nossa educação, está baseada fortemente nessa noção de justiça, a Justiça Punitiva.

Em conformidade com essa noção, acreditamos que um criminoso deve "pagar por seus crimes", que quanto maior for o erro, maior deve ser a punição. Nosso sistema jurídico está apoiado nesse conceito, com o Código Penal estabelecendo quais são as transgressões e quais as respectivas penas a serem cumpridas. Por traz disso, existe uma crença muito fortemente arraigada de que é através da punição que um indivíduo irá corrigir um comportamento não aceito pela sociedade, de que iremos transformar criminosos em bons cidadãos ao forçá-los a sofrerem como consequência de seus crimes.

É dessa mesma maneira que adestramos nossos animais de estimação e também o mesmo modo como acreditamos estar educando nossas crianças. Para "ensinar" um cachorro a fazer suas necessidades fisiológicas apenas no lugar certo, o forçamos a perceber quando o fizeram em lugares "errados" e aplicamos uma punição física (em geral um tapa no focinho, ou algo parecido). Quando o animal faz "corretamente" aquilo que queremos, damos uma recompensa (em geral na forma de um alimento, uma "guloseima").

Com as crianças agimos de modo semelhante, aplicando "castigos" e dando "recompensas". Até há algumas décadas, nas escolas, havia os costumes de colocar o aluno "rebelde" ou "malcriado" em situação vexatória ou mesmo aplicar punições físicas, como a palmatória ou o ajoelhar no milho. Ao ser proposta a "lei da palmada" (proibindo o uso de violência física contra as crianças), não foram poucas as reações indignadas, alegando que "um tapinha de vez em quando não faz mal", ou ainda que "eu cresci levando surra de vara (ou de cinto) e me tornei um cidadão honesto". Muitos acreditam que um dos grandes problemas dos jovens é exatamente o fato de não terem sido punidos (fisicamente) na infância e, por isso, não terem sido estabelecidos os "limites".

As nossas crenças religiosas estão também repletas desse mesmo conceito, prometendo (ou ameaçando com) o "Céu" ou o "Inferno" como recompensa ou castigo pelo cumprimento ou não dos preceitos das igrejas. Algumas religiões são mais explícitas, outras têm esses conceitos mais velados. No Espiritismo, por exemplo, fala-se de "karma" como "lei de causa e efeito", afirmando que os espíritos são criados "simples e ignorantes", nem bons nem maus, e que cada um tem sempre a opção entre o "caminho do Amor" ou o "caminho da Dor". O mito (ou dogma) implícito nesse ensinamento é o que costumo chamar de "mito oculto do Espiritismo": a ideia de que seria possível (ao menos em teoria) para um espírito evoluir em toda a sua trajetória apenas escolhendo o "caminho do Amor" e, portanto, aprender tudo o que há para aprender sem nunca haver sofrido (uma vez que o sofrimento só existe como consequência das escolhas "ruins").

Para muitos, a consequência imediata desse modo de pensar em justiça leva ao desejo de "vingança", às vezes até ao desejo de "fazer justiça com as próprias mãos". Até mesmo em pequenos incidentes isso se revela. Um exemplo corriqueiro é o que vemos comumente no trânsito de grandes cidades, quando um motorista faz algo considerado "errado" pelo motorista de outro veículo (por exemplo, dando uma "fechada" ou ultrapassando pela direita). A reação imediata costuma ser, no mínimo, a de xingar (quem nunca?) ou, em casos mais graves, a de perseguir o "agressor" chegando nos casos extremos até ao homicídio!

Grande parte de nós costuma manter dentro de si a lembrança das ofensas sofridas, algumas vezes por anos, até décadas. E essas lembranças amargas costumam nos corroer por dentro, nos prendendo a um evento do passado que julgamos ter sido injusto, de tal modo que permanecemos literalmente aprisionados àquela pessoa ou àquele evento. Sentimos no direito e no dever de acusar, julgar e punir quem consideramos culpados e, quando não obtemos o que consideramos as justas punições, guardamos em nossos corações as mágoas, ressentimentos, raiva, ódio, ou como queiramos denominar esse sentimento que "pesa", negativamente, em nossos corações.

Nossos "agressores", no entanto, não costumam perceber-se como merecedores de tais punições. Do seu próprio ponto de vista, eles estão corretos, não tendo feito nada tão "errado" que mereça ser punido. E quando sofrem a "vingança" sentem-se, naturalmente, eles mesmos injustiçados, gerando o desejo de punir, de vingarem-se. Assim, cria-se um "círculo vicioso", gerando violência crescente, em vez de resolução. Várias obras de ficção mostram situações desse tipo (me vem à lembrança um excelente filme inglês de 1977, que no Brasil teve o título de "Os duelistas"), muitas vezes terminando com a morte de um ou de ambos os adversários.

O mesmo costuma acontecer, de certa forma, em nossas cadeias, nossas prisões. Quem é preso sofre a punição determinada pela justiça local (do modo que ela se estabelece) mas, em vez de transformar-se em um indivíduo dócil àquela sociedade, muitas vezes mostra-se ainda mais violentamente contrário à mesma, reincidindo em seus crimes ou passando a cometer outros ainda maiores. Na maioria dos casos, a Justiça Punitiva não só não educa, não "corrige", como gera ainda mais desentendimentos e violência.

Por outro lado, quando reconhecemos, intimamente, que fizemos algo que tenha contribuído de alguma forma para causar dor, sofrimento a alguém, geramos em nós um sentimento poderoso e perigoso: o sentimento de culpa. Ao nos declararmos intimamente culpados, trazemos implícita a consequência derivada da justiça punitiva, a necessidade da punição, de sofrer como consequência do sofrimento causado. Assim, ao nos sentirmos culpados, passamos a esperar pelas punições, ao mesmo tempo as "desejando" (para redimir nossa culpa) e temendo o sofrimento ligado a elas.

O medo do sofrimento nos leva a procurar, consciente ou inconscientemente, maneiras de nos protegermos, de evitarmos o desconforto, a dor. Para isso, criamos armaduras, couraças, escudos, que nos dão a (falsa) impressão de segurança. Por causa dessas armaduras, permanecemos afastados de tudo o que nos é externo, de tudo o que pode ser ameaçador. Mas ao mesmo tempo nos isolamos, nos afastamos de tudo o que nos poderia trazer verdadeira alegria e bem-estar. Nos afastamos emocionalmente das pessoas com quem deveríamos estabelecer e reforçar laços de amor, passando a ter relacionamentos superficiais, em que não nos entregamos verdadeiramente.

Na maioria das vezes estabelecemos relacionamentos "utilitários", em que as trocas são quase "comerciais". Há relativamente pouco tempo (apenas um século ou até menos), a maioria dos casamentos era decidido pelos pais dos noivos, muito mais como uma negociação (incluindo o "dote"!) do que uma união nascida do amor entre duas pessoas. Nossos antepassados, gradualmente, foram conquistando o direito de escolher com quem se casariam - às vezes com consequências trágicas, nos moldes do clássico shakespeariano "Romeu e Julieta". Hoje a maioria escolhe com quem quer casar, mas a maioria de nós continua procurando alguém que se encaixe em parâmetros que escolhemos como as características do "par ideal": beleza, tipo físico, inteligência, posição social e econômica, religião, interesses em comum. "Procura-se um amor que goste de cachorros"!

E, com a liberação sexual conquistada ao longo do século XX, muitos passaram a procurar relacionamentos sexuais que sejam apenas isso: fonte de prazer mútuo, sem qualquer envolvimento afetivo. Nossa cultura machista nos faz pensar que isso só acontece com homens, mas em minha prática psicoterápica ouço também as queixas dos homens de que só encontram mulheres que "só querem transar", não se permitindo um verdadeiro compromisso.

Essa atitude de buscar relacionamentos superficiais, de não nos aprofundarmos nas emoções, de não nos abrirmos intimamente ao outro, pode nos proteger de sermos magoados ou frustrados em nossas expectativas, mas ao mesmo tempo nos impede de amar por completo. Com o tempo, passamos a sentir uma falta que não conseguimos explicar. Começamos a perceber defeitos no outro que passam a se avolumar, muitas vezes levando a desentendimentos e separações. Dizemos que "o amor acabou", quando nunca demos ao amor a chance de se expressar em sua plenitude. E nos fechamos ainda mais a cada experiência amorosa.

Ao longo das experiências encarnatórias, inconscientemente, continuamos repetindo esse ciclo, vivendo novamente experiências de frustração e desânimo, ora culpando o outro – gerando o desejo de vingança, de "justiça", e nos afastando ainda mais das pessoas que poderíamos amar, com medo de sermos novamente feridos – ora culpando a nós mesmos, inconscientemente nos punindo através de mais e mais isolamento e repetição de experiências negativas. Ciclos de sofrimento que impomos a nós mesmos, com base no princípio da "Justiça Punitiva", sem que haja um "Juiz Celestial" nos impondo tais experiências. Somos nós mesmos que nos julgamos e condenamos, nunca tendo a sensação de termos nossas "dívidas" pagas.

Qual a alternativa? Como podemos sair desses ciclos que parecem intermináveis? O que precisamos não é uma espécie de "misericórdia divina", uma vez que o perdão do Criador já está embutido no próprio ato da Criação. O que precisamos é de nossa própria misericórdia, precisamos perdoar aos outros e, mais que tudo, perdoar a nós mesmos. Para isso, necessitamos compreender o princípio da "Justiça Reparadora".

Para realmente contrabalançarmos algum erro que tenhamos cometido, algum mal que tenhamos causado, não adianta sofrermos um mal equivalente. Como vimos acima, isso só causa o desejo de vingança e o ciclo vicioso da violência. Para contribuirmos para o equilíbrio universal, precisamos realizar um ato de bondade, uma ação "igual e contrária". Por exemplo: se eu matar alguém, de nada adiantará eu ser morto, uma, duas, dez, uma centena de vezes. Para desfazer o mal feito precisarei salvar a vida de uma pessoa (de preferência da mesma pessoa que matei, em outra encarnação)!

Esse é o princípio tão simples da Justiça Reparadora: um mal só pode ser "pago" ao se fazer o bem! E fazer o bem sempre dá uma sensação agradável a quem está praticando o ato de bondade. Ao nos doarmos em benefício de alguém (ou mesmo de um animal ou planta), temos um sentimento de bem-estar, de felicidade, que é duradouro. O campo relativamente recente da Psicologia Positiva vem confirmando, através de estudos rigorosamente científicos, o que muitos pensadores já afirmavam: que é através dos atos de doação que nos sentimos verdadeiramente felizes, que alcançamos a felicidade duradoura. Diferentemente da satisfação de adquirir um objeto de desejo (um celular ou mesmo um carro novo, por exemplo), que rapidamente se esgota – em geral em poucas semanas – a certeza de termos feito um bom trabalho e termos feito a diferença, para melhor, na vida de alguém nos traz uma sensação persistente de felicidade.

E aí está o "grande segredo": para "pagar os pecados" do passado, não temos que sofrer. O sofrimento não elimina nenhum mal cometido no passado! Para "expiarmos nossa culpa", precisamos fazer o bem e, por conseguinte, nos sentirmos bem. É sendo verdadeiramente feliz, e não sofrendo, que desfazemos nossos erros e continuamos nosso caminho de crescimento. Em outras palavras: precisamos perdoar a nós mesmos no sentido de não considerarmos mais necessária qualquer "punição", e começar a desfazer nossos "erros", simplesmente sendo felizes e ajudando quem estiver conosco em nossa caminhada a também encontrar a felicidade!

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