Dr. Sergio W. Baumel

CRM/ES: 6116 | CRP-16: 4263

Neurologista e Psicólogo

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Sigil Baumel

A memória

por Sergio W. Baumel

Uma das queixas mais frequentes nos consultórios de neurologia é a de “esquecimento”. Pessoas de várias idades nos procuram relatando estarem muito “esquecidas”, adicionando às suas preocupações alguma história familiar de Doença de Alzheimer ou alguma informação obtida na internet a respeito desta doença. Na maior parte das vezes, não se trata de outra coisa senão isso mesmo: excesso de preocupações.

Ao serem indagados sobre o que, especificamente, esquecem, os clientes invariavelmente relatam terem dificuldade para lembrar-se de nomes de pessoas, muitas vezes a quem acabaram de ser apresentados, ou de pessoas que não viam há algum tempo (mas não de pessoas íntimas, como esposas, filhos, irmãos…). Ou de onde teriam guardado objetos, às vezes objetos que tem alguma importância – em geral burocrática, como documentos, contas, etc. E até mesmo relatos de terem perdido, momentaneamente, a noção de espaço, não reconhecendo determinado local ou não sabendo para onde estariam indo.

Outros clientes têm queixas mais especificamente voltada para estudos, leituras ou até filmes e seriados, referindo não se lembrarem daquilo que leram ou estudaram, muitas vezes assim que terminam uma leitura, ou de nem se recordarem de ter assistido aquele filme, seriado ou novela. Alguns são criticados por seus cônjuges ou amigos por tamanha falta de retenção de informações em suas memórias. Chegam até a ser motivo de chacota em reuniões sociais. Mas, na maioria das vezes, não se trata de doença nem mesmo de deficiência ou inabilidade neurológica.

O grande problema é que estamos acostumados a pensar em nossa memória numa analogia com as memórias de computadores e outros aparelhos eletrônicos. Num computador, as informações são gravadas em meio físico, seja um HD (“disco rígido”), uma memória “flash”, um “pendrive”, ou até meios hoje obsoletos, como discos “floppy” ou fitas magnéticas. Em todos esses dispositivos, cada pedaço de informação é armazenado em um espaço do meio físico que tem uma “etiqueta”, um “endereço”, que o computador se utiliza para poder recuperar esses dados. Assim, toda vez que pedirmos ao computador (ou tablet, celular, etc.) uma informação específica, como um arquivo de texto ou uma imagem, obteremos exatamente os mesmos dados que foram originalmente gravados ali. Caso façamos alguma modificação, o computador terá que substituir a informação antiga pela nova. Se não quisermos perder a versão antiga, precisaremos informar ao computador que queremos gravar (ou “salvar”) a nova versão em um outro local, outro “endereço” de memória, dando, por exemplo um nome diferente para aquele arquivo. É por isso que os computadores podem ficar com sua capacidade de armazenamento esgotada, sendo necessário apagar dados antigos para que se possam inserir dados novos.

A memória humana não funciona do mesmo jeito. Não há, realmente, limites para a quantidade de informações que podemos armazenar em nossas mentes. Tudo aquilo que vivenciamos, mesmo que não tenhamos percepção consciente disso, “entra” em nossas mentes. O difícil, mesmo, é trazer de volta à consciência as informações que lá entraram, pois nossas mentes não possuem “etiquetas” ou “endereços” específicos para cada informação.

Para ter acesso às informações em nossas mentes inconscientes, usamos um mecanismo diferente: o das associações. Quando alguém pergunta, por exemplo, o que você comeu ontem no almoço, a própria pergunta dispara uma sequência de associações, que na maioria das vezes é predominantemente inconsciente. Você pode buscar, por exemplo, qual dia da semana estamos, levando à informação do dia da semana que estávamos ontem. A partir dessa informação, você poderia se lembrar de onde foi almoçar (se era domingo, pode ter sido em casa, na casa de seus pais, de algum amigo; se era quinta-feira, pode ter sido em seu local de trabalho, ou em um restaurante que serve comida “por quilo”, e assim por diante), com quem estava, até chegar à informação do que comeu. Dependendo da situação (e também da maneira peculiar de cada pessoa), talvez venham à mente imagens da comida ou do lugar, ou até mesmo o cheiro e o gosto da comida.

Já se alguém perguntar o que você comeu no almoço do dia 15 do mês passado, pode ser bem mais difícil conseguir uma linha de associações que leve à resposta. A não ser que esta data tenha sido uma data especial, como a comemoração de um aniversário ou algo semelhante. Mas se a pergunta for sobre como foi seu primeiro beijo, ou como você conheceu sua namorada (ou namorado, esposa, marido, etc.), a informação poderá vir quase que instantaneamente, como se aquilo estivesse sempre em sua consciência. No entanto, antes da pergunta (ou antes de você ler a sentença anterior) essas informações não estavam em sua consciência, estavam no imenso depósito de informações que é a sua mente inconsciente! Mesmo que já tenham se passado décadas, essas informações virão com facilidade, pois as associações ligadas a elas têm um forte conteúdo emocional. Da mesma forma que os episódios de maior alegria ou de maior sofrimento do seu passado, mesmo que distante, que têm fortes associações emocionais, tornando mais fácil o aflorar das memórias à consciência.

Aí está a maior dificuldade no dia a dia da maioria das pessoas, quando se fala em lembrar-se de alguma coisa: muitas vezes, mesmo que conscientemente a pessoa considere importante aquele detalhe (como o nome de um cliente ou um item na lista de compras), na mente inconsciente não há associações importantes para aquele dado. E isto se torna ainda mais evidente quando se está ansioso ou preocupado com algo, pois as preocupações, mesmo que inconscientemente, “ocupam” nossa capacidade de criar associações, bem como de “seguir” o encadeamento de associações existentes, que seria necessário para recuperar as informações desejadas.

Freud imaginou nossa mente como tendo uma quantidade fixa de “energia psíquica”. Isso significa que, a cada momento, estamos utilizando (ou “investindo”) uma parte dessa energia para cada atividade mental. Uma parte para sentirmos a temperatura do ambiente, outra para ouvirmos os sons à nossa volta, outra para enxergarmos, outra para decifrar o significado dar palavras escritas que lemos, e assim por diante. Terminada uma tarefa, aquela “energia psíquica investida” volta a ficar disponível para outras tarefas. Se estivermos com algum “assunto pendente”, algo que ficou sem solução, mesmo em nosso inconsciente, uma parte de nossa energia psíquica ficará “aprisionada”, não podendo ser utilizada para as tarefas do presente.

Pode-se fazer uma analogia com recursos financeiros. Se uma porção significativa do seu dinheiro estiver investida em algo estático (como um imóvel fechado, por exemplo), você poderá não ter dinheiro para comprar comida ou para pagar a entrada do cinema, por exemplo, gerando dificuldades imediatas, muito embora seu patrimônio total não seja pequeno. Os “traumas” que passamos em nossas vidas muitas vezes funcionam dessa maneira, “aprisionando” nossos recursos psíquicos e deixando pouca energia para resolvermos as questões, muitas vezes bem menos difíceis, do cotidiano. E as preocupações em geral, além de não produzirem qualquer resultado útil, têm o mesmo efeito, prejudicando nossa capacidade de lembrar daquilo que precisamos no aqui e agora.

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